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A mostrar mensagens de março, 2025

O desejo sem prazo de validade: a descontraída celebração da velhice em cena

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Foto: Divulgação    O que acontece com o desejo quando os corpos envelhecem? Como a sociedade determina quem ainda pode amar, quem pode sentir prazer, quem tem permissão para existir fora das funções que lhe impuseram? A Vida Secreta dos Velhos , de Mohamed El Khatib, responde a essas perguntas com leveza, provocação e um humor que desafia interditos. Sobre o palco, a velhice se faz presença: plena, irreverente, pulsante. O espetáculo traz à tona histórias de corpos que recusam o apagamento social . Pessoas que descobrem o prazer depois de uma vida de silenciamentos, que encontram o amor quando já se esperava delas apenas resignação, que escolhem seus afetos pelo desejo e não pela convenção. São relatos que desconstroem a ideia de que a velhice é um tempo de espera, uma antessala da morte. Aqui, ela se impõe como espaço de reinvenção, um território que, embora cercado por interditos, segue fértil em descobertas. A encenação não se apoia em estereótipos que reduzem os velhos ao...

Celas que Par(t)em – Uma leitura de Parto Pavilhão

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  Foto: Divulgação       Parto Pavilhão se apresenta como um espetáculo de impacto, condensando bons elementos da dramaturgia, direção e atuação em um trabalho sólido e marcante. A peça, que aborda o encarceramento de mulheres negras e mães no Brasil, surpreende ao incorporar um tom cômico ácido e irônico que contribui para uma experiência catártica. Esse humor, longe de suavizar a crítica, acentua as contradições e violências do sistema prisional e da realidade enfrentada pelas mulheres negras, mães e pobres no país.      A dramaturgia de Jhonny Salaberg se destaca como um dos pontos mais potentes da montagem. O texto é rico, contundente e dialoga diretamente com questões sociais urgentes, expondo o descaso governamental com as mães e os recém-nascidos em situação de encarceramento. A atuação de Aysha Nascimento dá vida a esse material com versatilidade impressionante: nuances vocais, expressões precisas e uma construção de personagem sólida faz...

A dramaturgia do encontro em Eu tenho uma história que se parece com a minha

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Foto: Divulgação         Uma casa, um quintal, um terreiro de memórias. Eu tenho uma história que se parece com a minha dissolve as fronteiras entre cena e vida, instaurando um espaço onde o tempo se curva à escuta, ao toque, ao sabor. Não há palco e plateia rigidamente definidos; há corpos que transitam, palavras que se oferecem e silêncios que sustentam a presença. A peça não apenas nos convida ao encontro, mas nos ensina a escutar.      A dramaturgia aqui não se dá no papel ou na linearidade de uma narrativa fechada, mas na partilha. Uma casa negra se ergue em cena , estruturada por gestos e presenças: Tetembua Dandara recebe sua mãe e sua irmã no espaço cênico, enquanto a imagem de sua avó se projeta em vídeo. O público ocupa este território como quem chega a uma festa – mas uma festa onde a celebração e a ancestralidade caminham juntas. Entre uma música e uma fala, entre um prato servido e um olhar trocado, desenha-se uma narrativa que não ...

Uma Carta Entre Mães: Desafiando o Silêncio do Patriarcado

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Foto: divulgação  Querida Cris, Ontem, ao assistir à sua peça, senti que estávamos todas ali, compartilhando um espaço que, de tão íntimo, tornava-se coletivo. Sua pergunta – "A quem interessa ouvir a história de uma mãe que perdeu um filho?" – ecoou e se multiplicou naquelas que te ouviam. Pois aqui está uma resposta: interessa a muitas. Interessa a quem carrega marcas invisíveis, a quem já atravessou um luto solitário, a quem entende que a dor não deveria ser confinada ao silêncio. Seu trabalho ilumina essa ausência imposta. Na sociedade, a gravidez é um acontecimento público, celebrado e reconhecido, mas o luto materno é um fardo individual, muitas vezes oculto. O espetáculo, com sua delicadeza e força, rompe esse pacto de silêncio e transforma a ausência em presença. Há algo na sua encenação que nos conduz por um fio de dor e beleza sem jamais nos abandonar. A interação com os objetos de cena é precisa: cada elemento carrega memórias e se torna extensão do seu próprio cor...

Andarilhos de si: o êxodo poético de Vagabundus

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Foto: divulgação  Vagabundus se destaca pela grandiosidade da presença cênica do coletivo. O coro evolui tanto na força do conjunto quanto na expressividade singular de cada intérprete. Cada artista tem seu momento de evidência, mas nunca perde a conexão com o todo, compondo um jogo cênico em que corpo, voz e sonoridades emergem com intensidade e fluidez. A fusão entre danças e músicas evidencia as matrizes culturais que atravessam o espetáculo, ressaltando as influências, diálogos e transformações que marcam os povos em deslocamento. O elenco, extremamente sintonizado, constrói uma unidade vibrante sem apagar as particularidades: os diferentes modos de mover o corpo, cantar e ocupar o espaço conferem à cena um dinamismo singular.      A luz desempenha um papel fundamental, indo além da ambientação para se tornar quase um personagem em cena. Pontual e expressiva, ela reforça gestos, emoções e a própria dramaturgia do movimento, contribuindo para a criação de atmosfe...

Nos Palcos do Heleny Guariba, Memória e Resistência em Cena

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  Foto: Lavinia Fernandes  O espetáculo O Sonho Americano traz à cena um assunto extremamente importante para o contexto político nacional. Em um momento em que se clama por "Sem Anistia" para os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, retratar uma história ambientada durante a ditadura civil-empresarial-militar do Brasil (1964-1985) adquire uma relevância social incontestável. A dramaturgia se divide em dois momentos: no primeiro, Bento, muito bem interpretado pelo ator Gabriel Santana demonstrando a força que tem em cena,  entra na casa de sua tia Antônia (Cristina Bordin) e conta a ela e para sua prima, Beatriz (interpretada por Camila Costa Melo), que está participando da luta armada contra a ditadura. No segundo, Bento já não está mais em cena, e, após momentos de reviravolta, os militares entram. A primeira parte tem uma dinâmica ativa, com cenas engraçadas, românticas e momentos de tensão. A relação entre os personagens se revela aos poucos, por meio de con...