Andarilhos de si: o êxodo poético de Vagabundus

Foto: divulgação 

Vagabundus se destaca pela grandiosidade da presença cênica do coletivo. O coro evolui tanto na força do conjunto quanto na expressividade singular de cada intérprete. Cada artista tem seu momento de evidência, mas nunca perde a conexão com o todo, compondo um jogo cênico em que corpo, voz e sonoridades emergem com intensidade e fluidez.

A fusão entre danças e músicas evidencia as matrizes culturais que atravessam o espetáculo, ressaltando as influências, diálogos e transformações que marcam os povos em deslocamento. O elenco, extremamente sintonizado, constrói uma unidade vibrante sem apagar as particularidades: os diferentes modos de mover o corpo, cantar e ocupar o espaço conferem à cena um dinamismo singular.

    A luz desempenha um papel fundamental, indo além da ambientação para se tornar quase um personagem em cena. Pontual e expressiva, ela reforça gestos, emoções e a própria dramaturgia do movimento, contribuindo para a criação de atmosferas que dialogam com os estados de deslocamento e pertencimento.

    A  abordagem inovadora de Idio Chichava não reside apenas no apuro técnico das intérpretes, mas na forma como esse virtuosismo se manifesta sem rigidez, soando orgânico, pulsante e vivo. A migração se desenha no palco por meio dos trajetos percorridos pelas artistas, que cruzam o espaço como andarilhas, desprovidas de pertences, sem um lugar fixo a que pertencem. Essa composição evoca a África neocolonizada e suas disputas por território, etnias e identidades, marcadas por perdas e reconstruções. E se migrar é sempre um risco, para a mulher migrante o perigo é ainda maior: corpo exposto, sem posto, ao dispor do toque, do assédio, da violência cotidiana que a transforma em território vulnerável.

    Apresentar essa obra em São Paulo, cidade encruzilhada, reforça reflexões sobre os espaços ocupados e não ocupados, sobre quem pode circular e de que forma. O espetáculo, então, não apenas trata da migração, mas também a performa, expandindo suas camadas de significado.

    No desfecho, as artistas convidam o público a subir ao palco, transformando o final em uma grande celebração. O reencontro, o retorno, o gesto de acolhida coletiva—um gesto potente que subverte a lógica da exclusão e resgata a experiência do pertencimento.


Sinopse O coreógrafo moçambicano Idio Chichava aborda os processos migratórios e seus múltiplos significados pelo prisma do corpo. Inspirados pelo ritual de dança do povo Makonde, que vive em Moçambique e países vizinhos, treze performers dançam e cantam músicas tradicionais e contemporâneas de seu país, além de canções gospel e motivos barrocos. O espetáculo traça um caminho em direção a um corpo que assume a plena expressão de sua existência e da sinergia com o outro ao cantar e dançar simultaneamente. Retratando a migração como uma jornada emocional, espiritual e coletiva, Chichava cria uma performance com uma poderosa carga energética – tão pessoal quanto universal.
Ficha Técnica Companhia: Converge+ Concepção artística e coreografia: Idio Chichava Assistente e diretor de ensaio: Osvaldo Passirivo Performance: Açucena Chemane, Arminda Teimizira, Calton Muholove, Cristina Matola, Fernando Machaieie, Judite Novela, Mauro Sigauque, Martins Tuvanji, Nilégio Cossa, Osvaldo Passirivo, Patrick Manuel Sitoe, Stela Matsombe e Vasco Sitoe Iluminação: Phayra Baloi Gestão de turnê: Silvana Pombal Produção: Yodine Produções Parceria: Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD), KINANI – Plataforma Internacional de Dança Contemporânea e One Dance Serviço 14 e 15/3 sexta e sábado 20h LOCAL: Teatro do SESI-SP Ingressos disponíveis em: https://mitsp.org/2025/vagabundus/ 70 min | Classificação indicativa 10 anos

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