Vagabundus se destaca pela grandiosidade da presença cênica do coletivo. O coro evolui tanto na força do conjunto quanto na expressividade singular de cada intérprete. Cada artista tem seu momento de evidência, mas nunca perde a conexão com o todo, compondo um jogo cênico em que corpo, voz e sonoridades emergem com intensidade e fluidez.
A fusão entre danças e músicas evidencia as matrizes culturais que atravessam o espetáculo, ressaltando as influências, diálogos e transformações que marcam os povos em deslocamento. O elenco, extremamente sintonizado, constrói uma unidade vibrante sem apagar as particularidades: os diferentes modos de mover o corpo, cantar e ocupar o espaço conferem à cena um dinamismo singular.
A luz desempenha um papel fundamental, indo além da ambientação para se tornar quase um personagem em cena. Pontual e expressiva, ela reforça gestos, emoções e a própria dramaturgia do movimento, contribuindo para a criação de atmosferas que dialogam com os estados de deslocamento e pertencimento.
A abordagem inovadora de Idio Chichava não reside apenas no apuro técnico das intérpretes, mas na forma como esse virtuosismo se manifesta sem rigidez, soando orgânico, pulsante e vivo. A migração se desenha no palco por meio dos trajetos percorridos pelas artistas, que cruzam o espaço como andarilhas, desprovidas de pertences, sem um lugar fixo a que pertencem. Essa composição evoca a África neocolonizada e suas disputas por território, etnias e identidades, marcadas por perdas e reconstruções. E se migrar é sempre um risco, para a mulher migrante o perigo é ainda maior: corpo exposto, sem posto, ao dispor do toque, do assédio, da violência cotidiana que a transforma em território vulnerável.
Apresentar essa obra em São Paulo, cidade encruzilhada, reforça reflexões sobre os espaços ocupados e não ocupados, sobre quem pode circular e de que forma. O espetáculo, então, não apenas trata da migração, mas também a performa, expandindo suas camadas de significado.
No desfecho, as artistas convidam o público a subir ao palco, transformando o final em uma grande celebração. O reencontro, o retorno, o gesto de acolhida coletiva—um gesto potente que subverte a lógica da exclusão e resgata a experiência do pertencimento.
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