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Foto: Divulgação |
Parto Pavilhão se apresenta como um espetáculo de impacto, condensando bons elementos da dramaturgia, direção e atuação em um trabalho sólido e marcante. A peça, que aborda o encarceramento de mulheres negras e mães no Brasil, surpreende ao incorporar um tom cômico ácido e irônico que contribui para uma experiência catártica. Esse humor, longe de suavizar a crítica, acentua as contradições e violências do sistema prisional e da realidade enfrentada pelas mulheres negras, mães e pobres no país.
A dramaturgia de Jhonny Salaberg se destaca como um dos pontos mais potentes da montagem. O texto é rico, contundente e dialoga diretamente com questões sociais urgentes, expondo o descaso governamental com as mães e os recém-nascidos em situação de encarceramento. A atuação de Aysha Nascimento dá vida a esse material com versatilidade impressionante: nuances vocais, expressões precisas e uma construção de personagem sólida fazem com que sua presença em cena seja magnética. O realismo fantástico se insinua principalmente pela interpretação da atriz, que imprime à sua personagem ares de loucura e quase crueldade, e pelo uso expressivo da iluminação, que se torna um elemento narrativo fundamental.
A cenografia, embora bem construída, não se alinha diretamente com uma ênfase na temática feminina da peça, algo que, ao meu ver, seria relevante para fortalecer a vivência das mulheres no espetáculo. A presença das redes de futebol, que remete às grades prisionais, cria um contraste, destacando um símbolo masculino em um contexto que poderia ter explorado mais profundamente a perspectiva feminina. Em contrapartida, a iluminação se destaca como um dos maiores trunfos da encenação, dialogando de forma brilhante com a partitura corporal da atriz e intensificando as camadas simbólicas que permeiam o espetáculo.
A peça mantém uma constância envolvente, conduzindo o público por cenas que ecoam a realidade brasileira. A forma como a protagonista narra a experiência das revistas durante as visitas em presídios se torna um dos momentos mais marcantes, revelando com crueza a violência de gênero naturalizada no sistema carcerário. A ausência de um desfecho previsível e redentor reforça a permanência das injustiças, deixando no público um incômodo necessário: as histórias ali apresentadas não se encerram no palco, mas seguem reverberando fora dele, como na vida real.
Parto Pavilhão é um espetáculo que não se esquiva das dores que expõe. Sua força está justamente na forma como articula denúncia e poesia, levando o público a uma experiência teatral que é, ao mesmo tempo, estética e política. A peça não apenas narra uma história, mas inscreve na cena um testemunho que clama por reflexão e transformação.
SINOPSE
O monólogo discute o encarceramento de mulheres negras e mães no Brasil a partir da perspectiva de Rose, ex-técnica de enfermagem e detenta em uma penitenciária provisória para mães. Ela passa os dias ajudando nos serviços de parto e cuidados com os filhos, até que, durante um jogo da seleção brasileira, vê a chance de organizar uma fuga. Com nuances de realismo fantástico, o trabalho, com atuação de Aysha Nascimento, direção de Naruna Costa e dramaturgia de Jhonny Salaberg, é livremente inspirado na fuga de um grupo de presas, com seus bebês no colo, do Centro de Progressão Penitenciária do Butantã, em 2009.
Ficha Técnica
Idealização e dramaturgia: Jhonny Salaberg
Direção: Naruna Costa
Atuação: Aysha Nascimento
Musicista em cena: Reblack
Direção musical e composições: Giovani Di Ganzá
Preparação corporal e coreografia: Malu Avelar
Cenografia e figurino: Ouroboros Produções Artísticas – Carolina Gracindo, Thais Dias e Iolanda Costa
Desenho e operação de luz: Gabriele Souza
Sonoplastia e operação de som: Tomé de Souza
Identidade visual: Sato do Brasil
Fotos: Edu Luz e Noelia Nájera
Produção: Washington Gabriel e Corpo Rastreado
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