Foto: Divulgação |
Uma casa, um quintal, um terreiro de memórias. Eu tenho uma história que se parece com a minha dissolve as fronteiras entre cena e vida, instaurando um espaço onde o tempo se curva à escuta, ao toque, ao sabor. Não há palco e plateia rigidamente definidos; há corpos que transitam, palavras que se oferecem e silêncios que sustentam a presença. A peça não apenas nos convida ao encontro, mas nos ensina a escutar.
A dramaturgia aqui não se dá no papel ou na linearidade de uma narrativa fechada, mas na partilha. Uma casa negra se ergue em cena, estruturada por gestos e presenças: Tetembua Dandara recebe sua mãe e sua irmã no espaço cênico, enquanto a imagem de sua avó se projeta em vídeo. O público ocupa este território como quem chega a uma festa – mas uma festa onde a celebração e a ancestralidade caminham juntas. Entre uma música e uma fala, entre um prato servido e um olhar trocado, desenha-se uma narrativa que não se impõe, mas se constrói coletivamente.
E se há crianças, há mães. A presença infantil é acolhida e afirmada, em contraste com a forma como a cidade exclui e silencia a maternidade. Aqui, as vozes infantis atravessam a cena sem censura: correm, falam alto, pedem o microfone, atravessam a partitura sem que isso seja uma ruptura, mas sim um prolongamento da própria organicidade da peça. A partilha se dá também nos detalhes: há cadeiras e almofadas no chão, possibilitando diferentes formas de estar no espaço. Nem todas as pessoas estão no mesmo nível, mas essa disposição não instaura hierarquias. Pelo contrário, demonstra respeito e a abertura para acolher todos os corpos, todas as presenças.
Há, portanto, uma proposição estética e política que subverte as normas do teatro tradicional e das relações sociais estratificadas. A cenografia não impõe distanciamento, mas acolhimento – o chão forrado, as almofadas espalhadas, a iluminação precisa, mas sem artifícios, a música como fio condutor da atmosfera festiva. A encenação é, ao mesmo tempo, um manifesto e um abraço.
Ao final, não há um desfecho rígido, não há cortinas que se fechem. O espetáculo se dissolve na continuidade da convivência. Como em toda casa onde a vida pulsa, as despedidas se alongam. As histórias seguem sendo contadas, o alimento segue sendo partilhado, os corpos seguem em movimento. A cidade, patriarcal e excludente, aprende ali o que deveria ser: um espaço de encontro, onde todas as pessoas cabem, onde todas podem permanecer.
Sinopse
A obra atravessa diferentes gerações da família da artista Tetembua Dandara. Ativada pelo encontro da performer e sua avó, Dirce Poli, com intervenções de sua mãe, Neuza Poli, e de sua irmã, Mafoane Odara. A instalação convida o público a adentrar um espaço que remete a uma sala de vó, a um quintal ou mesmo a uma festa dos anos 1990. Ali, narrativas são reconstruídas pelas vozes, sabores e olhares dos presentes, que podem transitar pelo espaço e pelas histórias por quanto tempo desejarem. O trabalho teve como ponto de partida o livro fotográfico homônimo idealizado pela performer, que traz espaços em branco (e preto), estabelecendo um diálogo de imagens e poucas palavras.
Ficha Técnica
Concepção e performance: Tetembua Dandara
Performance: Dirce Poli, Neuza Poli e Mafoane Odara
Pensamento visual: Daniela Alves, Matias Ivan Arce e Renan Marcondes
Fotos: Tetembua Dandara e Mariana Chama
Vídeo: Bruna Lessa e Cacá Bernardes | Bruta Flor Filmes
Iluminação: Gabriele Souza
Cenotécnico e técnico de cena: Matias Ivan Arce
Técnico de som: Cauê Gouveia
Produção e técnica de cena: Mariana Dias e Tati Mayumi
Direção de produção: Tetembua Dandara
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