Entre o corpo e a corda: notas sobre Cordeiros | Bienal Sesc Dança 2025

 

Foto: Renato Mangolin

Em Cordeiros, de Alan Ferreira e Tony Hewerton, a corda é linha, fronteira, metáfora e corpo. O espetáculo parte da figura do trabalhador do Carnaval baiano que segura a corda para delimitar o espaço entre a pipoca e o camarote — entre o povo e o privilégio — e transforma esse gesto de contenção em dança, em invenção, em possibilidade de travessia. A obra se inscreve nesse limiar, entre o visível e o invisível, e tensiona as linhas que organizam o mundo.

O silêncio inicial se impõe como uma escuta. Nesse vazio sonoro, os corpos se movem com precisão e força, como se desenhassem na penumbra um território de resistência. Quando a música irrompe, rasgando o silêncio, ela inaugura outra fisicalidade, vibrante, quase ritual. A luz nas cordas revela a beleza dos gestos, amplia a presença dos intérpretes e devolve dignidade ao corpo que historicamente foi posto à margem.

Há algo de profundamente original na forma como Cordeiros transforma a desigualdade social em matéria coreográfica. A obra não ilustra a violência mas a tensiona. A escuridão se torna um espaço de invenção, e a cena das biribinhas, em que os performers mastigam e lançam faíscas uns sobre os outros, é um dos momentos mais intensos da Bienal. No escuro, os estalos cortam o ar e provocam o público — surpresa, medo, encantamento. A violência simbólica se converte em gesto poético, em fagulha, em corpo que insiste em existir.

        Cordeiros é uma dança sobre fronteiras e sobre o desejo de rompê-las. É também uma celebração da vida, das festas, dos trânsitos, das gambiarras que afirmam, a cada lampejo, a potência dos corpos dissidentes e diaspóricos.


Criação, idealização e performance Alan Ferreira, Tony Hewerton
Direção Alan Ferreira
Orientação artística Alice Ripoll Assistência de direção Isabela Peixoto Direção musical e trilha sonora Alan Ferreira
 Dramaturgia Alice Ripoll, Alan Ferreira Desenho de Luz Taina Miranda Figurinos Isabela Peixoto
 Cenografia Tony Hewerton 
Fotografia Renato Mangolin 
Aulas de dança Laura Sariy, Andreia de Vasconcelos 
Operação de som Isabela Peixoto Operação de luz Taină Miranda Técnico de luz André Martins Cenotécnico Rafael Carvalho 
Designer Viter Moniz Mídias Dandara Abreu 
Assistentes de ensaio Katiany Correia, Mcy Barreto, Sheilla Cintra Costureira Selma Maria 
Difusão internacional ArtHappens Produção em São Paulo Rafael Ferro, Jandilson Vieira 
Produção-executiva Isabela Peixoto Produtora Alice Ripoll PRODUÇÕES LTDA Coprodução Pact Zollverein e Charleroi Danse 
Apoio Le CentQuatre-Paris, contemplado pelo programa FUNARTE Aberta (Ministerio da Cultura-Governo Federal BRASIL)

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O Vestígio da Subversão Feminina: O Grotesco na Cena do Kaus

Nós, Xs Culpadxs: Entre o drama e o épico

O tempo político de Veias Abertas: Quando o corpo narra a história