A Beleza da Denúncia em Reinos dos Bichos e dos Animais

 

Há obras que não se deixam apreender de imediato, exigem um tempo de elaboração, um corpo disposto a atravessá-las. Reino dos Bichos e dos Animais, Esse é o Meu Nome, do Coletivo CIDA, é uma dessas experiências limítrofes: densa, violenta, simbólica. A cena se constrói como um gesto de exposição radical, em que corpos dissidentes assumem o centro e nos devolvem o incômodo do olhar. Em vez de amenizar o desconforto, o trabalho o potencializa, convidando a espectadora a enfrentar aquilo que a sociedade insiste em invisibilizar e por isso, é sim, necessário mostrar. Tornar visível o que se tenta apagar é, também, uma forma de dança, um modo de existir e resistir.

Inspirada na poética de Stella do Patrocínio, a peça envolve com presença, com vibração que se inscreve no corpo das intérpretes. O espetáculo se apresenta numa  fricção entre linguagem e carne, emergindo em um campo sensível de tensionamento entre humanidade e desumanização. A audiodescrição poética, elemento central da encenação, não é mais que um recurso de acessibilidade, mas um gesto estético e político: desloca o olhar vidente e convoca outras formas de percepção. Somos nós, as videntes, que precisamos reaprender a escutar o que já vemos.

A iluminação, precisa e enclausuradora, desenha um espaço quase asfixiante, mas é nesse confinamento que surgem brechas de desejo, pequenas epifanias de beleza não clássica. A música e a narração se entrelaçam em uma dramaturgia sonora que sustenta a densidade da cena sem domesticá-la. Tudo pulsa no limite entre o dizer e o calar, o ver e o ouvir, o suportar e o não suportar. Reino dos Bichos e dos Animais, Esse é o Meu Nome afirma, assim, uma outra forma de beleza: a beleza da denúncia.


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