Uterina: coragem e delicadeza em cena
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Foto: David Bellavance Ricard |
Uterina, de Flavia Couto, estreia como um mergulho sensorial na experiência de uma maternidade interrompida e nas complexidades do aborto judicial no Brasil. A peça traz à tona um tema raramente explorado no teatro, tornando-se um espaço de coragem e visibilidade, ao expor vivências íntimas que dialogam com questões políticas e sociais urgentes. Nesse sentido, a obra cumpre seu papel mais relevante: abrir debate sobre temas que permanecem silenciados.
Visualmente, Uterina impressiona. As projeções e a construção cênica evocam de maneira poética e sensível o ambiente uterino, o fluxo da vida e a efemeridade do tempo. A imagem do útero que se esvai em terra, a ampulheta gestacional em movimento espiral e a interação com elementos naturais, como água, criam uma estética potente, capaz de tocar o público de maneira direta e simbólica.
No entanto, a peça se aproxima de uma experimentação muito livre. Movimentos performáticos e gestos dançantes, embora belos, às vezes parecem flutuar sem objetividade, o que contribui para a dispersão da dramaturgia. Esta, embora poética e sensível, não evolui plenamente ao longo da peça. As metáforas e imagens simbólicas, tão potentes esteticamente, acabam por se dispersar, deixando o fio narrativo difuso e dificultando a construção de um desenvolvimento mais sólido entre o íntimo da atriz e o debate coletivo que a obra propõe.
O maior potencial da obra aparece quando a experiência pessoal da atriz se amplia em diálogo com questões coletivas e sociais. Os relatos sobre o enfrentamento da justiça, a impossibilidade legal de decidir sobre o próprio corpo e os impactos dessas normas revelam a relevância política do projeto. A mescla entre o íntimo e o social poderia se aprofundar ainda mais, mas já sugere um espaço potente de reflexão.
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