Renascimento e Ruptura: Um Jardim para Tchekhov
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Renato Mangolin |
Em "Um Jardim para Tchekhov", a diretora Georgette Fadel desafia as convenções do teatro tradicional ao propor uma releitura moderna das tensões presentes na obra de Tchekhov. A peça transita suavemente entre a comédia e o drama, enquanto explora as relações humanas sob uma nova ótica. Aqui, Tchekhov se apresenta em cena com suas dramaturgias, suas intenções e até mesmo seus desentendimentos com Stanislavski, numa mistura de respeito e subversão. A belíssima atuação de Leonardo Medeiros, como Anton Tchekhov, em sintonia com Maria Padilha, no papel de Alma Duran, resulta em uma dinâmica cativante que dá vida a uma história que, ao mesmo tempo, é universal e íntima.
Alma Duran, uma atriz falida que se recusa a sucumbir ao fracasso. Ela sonha em montar a peça O Jardim das Cerejeiras e encontra um novo fôlego com suas conversas com Tchekov que a incentiva a se lançar no projeto de plantar cerejeiras em um jardim abandonado de um condomínio no Rio de Janeiro. O sonho de Alma é uma metáfora para a busca de renovação e beleza, contrapondo-se ao cenário de um Brasil em tempos de intolerância e crise. O que Fadel propõe, e a dramaturgia de Pedro Brício concretiza, é uma reinterpretação da mulher, que, em vez de ser a figura passiva, aqui assume a agência de seus próprios sonhos e ações.
A peça ganha outra dimensão com a entrada de Lalá, interpretada por Iohanna Carvalho. Lalá é uma estudante de teatro que oferece outro tom para a cena, trazendo uma energia mais jovem e questionadora, um contraponto perfeito ao desespero de Alma e ao pragmatismo de sua filha, Isadora (Olivia Torres). A adição desta quinta personagem não apenas enriquece a trama, mas amplia o espaço para diferentes vozes femininas, que são essenciais para entender as múltiplas camadas de opressão e resistência no contexto contemporâneo.
A personagem de Isadora, filha de Alma, interpretada por Olivia Torres, se destaca por sua profunda complexidade. Enquanto a mãe, uma atriz falida, e Lalá, a estudante de teatro no auge de suas esperanças, parecem navegar mais entre suas fantasias e realidades teatrais, Isadora se vê imersa no cotidiano de uma vida sem grandes sonhos. Olivia Torres traz uma performance que se diferencia pela sutileza, passando por várias camadas emocionais com precisão, expressando com maestria diferentes formas de interpretação e expressão corporal. A personagem de Isadora, em sua busca por identidade, é uma das mais marcantes da peça. Sua relação com a mãe é marcada por conflitos silenciosos, mas também por momentos de tensão e amor não dito. Ela está tão envolvida em sua rotina doméstica e na pesada responsabilidade de viver sem grandes aspirações, que, ao se sentir sufocando, decide escapar — do marido, da mãe e, sobretudo, da vida sem sonhos. Sua saída representa um fôlego novo na peça, trazendo uma ruptura com o padrão das outras personagens, mais distantes da realidade e do drama existencial.
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Renato Mangolin |
A marca da direção de Georgette Fadel se destaca pela abordagem visual e dramática. A peça, que poderia se apoiar em uma estética realista ou naturalista, opta por uma ruptura com essa tradição. Fadel introduz o uso de bonecos infláveis, que não apenas quebram a expectativa da cena, mas também funcionam como uma espécie de eu lírico desaforado, interrompendo o fluxo da narrativa. Esses bonecos, que roubam a cena, simbolizam a transgressão e a desconstrução das normas, um movimento artístico que dialoga diretamente com a busca de Alma por liberdade e reinvenção. Assim como as bexigas, que aparecem como cerejas no cenário, esses elementos desconcertantes ressaltam a fragilidade e a beleza da vida, refletindo a natureza efêmera e mutável das nossas próprias existências.
A dramaturgia de Pedro Brício também insere esse jogo entre o imaginário e o real, onde a cena da casa e seus móveis bem dispostos, que remetem ao naturalismo, são desconstruídos. O ventilador, a janela e as bexigas se tornam parte de uma simbologia que vai além da estética, interrompendo e quebrando o ritmo da peça. Em vez de simplesmente retratar um cotidiano familiar, a peça propõe uma reflexão mais profunda sobre a opressão social e as possibilidades de emancipação feminina.
A peça nos leva a questionar as figuras femininas na obra de Tchekhov, historicamente passivas e subordinadas. Aqui, Alma Duran, com a direção de Fadel, se torna uma mulher complexa, cujos sonhos e desejos são tão importantes quanto suas falhas. A figura de Alma simboliza e faz menção às grandes mulheres do teatro brasileiro que abriram caminho para que mulheres como Maria Padilha pudessem ocupar um lugar central na cena teatral contemporânea. Alma, assim como essas mulheres, é uma figura de resistência, que luta por seu espaço e pela possibilidade de transformar sua realidade, algo que dialoga diretamente com as questões feministas atuais.
Sinopse:
A consagrada atriz Alma Duran (vivida por Maria Padilha), desempregada há três anos, vai morar com a filha médica Isadora (Olivia Torres) e o genro, o delegado Otto (Erom Cordeiro), em um elegante condomínio carioca, em Botafogo. Enquanto divide seu tempo entre aulas de teatro para a jovem Lalá (Iohanna Carvalho) e o sonho de montar "O Jardim das Cerejeiras", Alma se depara, em um encontro inesperado, com alguém que afirma ser Anton Tchekhov (Leonardo Medeiros).
Ficha Técnica:
Dramaturgia: Pedro Brício
Direção Artística: Georgette Fadel
Elenco: Maria Padilha (Alma Duran), Leonardo Medeiros (Anton Tchekhov), Erom Cordeiro (Otto), Olivia Torres (Isadora), Iohanna Carvalho (Lalá)
Cenografia: Pedro Levorin e Georgette Fadel
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha Sonora: Lucas Vasconcellos
Preparação Corporal: Marcia Rubin
Assistência de Direção: Bel Flaksman
Direção de Produção: Silvio Batistela
Produção: Cena Dois Produções Artísticas
Serviço:
Temporada: 31 de outubro a 08 de dezembro de 2024
Local: Teatro CCBB SP | Centro Cultural Banco do Brasil, Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico – SP
Ingressos: R$30 (inteira) | R$15 (meia) em bb.com.br/cultura e na bilheteira do CCBB
Duração: 110 min
Classificação: 14 anos
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