A Arte do Dedo Podre
Qualquer tema pode virar peça. Mas nem toda peça consegue transformar um tema aparentemente banal em algo que dialogue intensamente com o público. a peça Dedo Podre começa com uma premissa que pode parecer trivial, mas rapidamente revela camadas de ironia e ambiguidade que capturam nossa atenção.
Logo no início, me vi recuada na cadeira, tentando escapar do que parecia ser uma experiência interativa. Era como se a peça pudesse cutucar memórias que eu não queria revisitar. No entanto, a experiência se mostrou surpreendentemente leve e divertida, com momentos que equilibravam risos e reflexões. Assim, o solo de Luciana Ramin dialoga com experiências cotidianas e, ao mesmo tempo, questiona estruturas sociais mais amplas.
Por ser um tema muito pessoal, que as pessoas evitam se associar de imediato, o tom leve e engraçado com que a atriz tratou as questões fez com que ficássemos mais à vontade. O uso de humor foi fundamental para desarmar uma possível resistência do público e criar espaço para a reflexão.
A projeção de slides, imagens e recursos, como a roleta para sortear os tipos de homens, acentuaram o caráter de peça-palestra e, ao mesmo tempo, reforçaram a teatralidade da apresentação. Esses elementos visuais criaram conectividade, como os slides de Dallagnol e outras imagens e músicas, tornaram a experiência mais dinâmica e interessante, ao mesmo tempo em que mantiveram uma abordagem crítica e divertida.
A peça ainda está em processo, e isso transparece em alguns momentos, deixando a espectadora desejando um maior desenvolvimento de certas cenas e ideias. Contudo, essa incompletude também reflete o caráter experimental da obra, que não tem medo de se expor e de provocar.
No fim, saí com a sensação de que "Dedo Podre" não apenas reflete sobre as escolhas que fazemos, mas também sobre as escolhas que nos atravessam, quer queiramos ou não. Somos condicionadas, como é mostrado na peça, a nos engajar numa busca por um tal príncipe encantado, que, especialmente nos dias atuais, não necessariamente corresponde à realidade de um "felizes para sempre". Muita coisa é camuflada pela internet, pela padronização de corpos e ideias. E quando, por fim, acreditamos que encontramos alguém bacana e nos dedicamos a conhecer e a nos apresentar a outra pessoa em um relacionamento, descobrimos uma verdade que nem sempre é tão instigante quanto nossas expectativas. Por isso, o "dedo podre" não é um problema pessoal, é um problema social. Afinal, estamos todos imersos nesse jogo de escolhas e desilusões, onde o que parece ser um erro é, na verdade, apenas mais uma consequência da forma como nos moldam e nos apresentam as possibilidades.
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Foto: F. Vicente Martos |
Sobre: A peça faz parte do projeto 5 mulheres e Um Destino: a Arte, o Teatro, a Vida enfim!, idealizado pelo Núcleo do 184, composto por cinco solos feministas. Abaixo informações sobre os solos que ainda serão apresentados.
SERVIÇO
Mulheres e Um Destino: a Arte, o Teatro, a Vida enfim!
Data: 30 de novembro a 18 de dezembro
Local: Teatro Studio Heleny Guariba - Praça Franklin Roosevelt, 184 – Bela Vista
Gratuito
DEDO PODRE
Direção: Otávio Oscar | Atuação: Luciana Ramin | Bate-papo com Edi Cardoso
Data: 7 de dezembro, às 18h e às 21h, e 8 de dezembro, às 18h
Sinopse: Em uma palestra performance com elementos irônicos e ambíguos, que, por vezes, se aproxima de uma terapia em grupo, a performer reflete sobre escolhas, buscando traduzir o termo popular "dedo podre". O solo ascende questões contemporâneas a partir do uso do dedo como motor de transformações, como no uso de aplicativos de relacionamento, de transações bancárias, das urnas eletrônicas e de muitas outras funções.
ABYSMO-EXPERIMENTO CÊNICO - Nº 2
Direção Thiago: Vasconcelos | Atuação: Alessandra Queiroz | Bate-papo com Milena Fonseca
Data: 11, 12 e 13 de dezembro, às 20h
Sinopse: Solo reflete sobre o ato de contar histórias, de dialogar, de prever e conversar do ponto de vista da experiência compartilhada e coletiva. A artista discute a substituição da narrativa e do contar pela forma de comunicação predominante hoje: a informação. A experiência de contar sobre a cidade, a cultura, o trabalho e a técnica, tendo como ponto de partida textos de Agnes Heller, Lícofron, Silvia Federici e Walter Benjamin.
NA CARNE - A REGENERAÇÃO
Direção: Marco Xavier | Atuação: Rosana Ribeiro | Bate-papo com Patrícia Gifford
Data: 14, 15 e 16 de dezembro, às 20h
Sinopse: Um certo Corpo, que após passar pelas espirais das virulências dos desejos, das desmedidas dos atos e das violências dos fatos, agora busca pela regeneração necessária para a continuidade da vida. Esse corpo carrega, quase sem controle, aspectos de sua presença, memórias, ancestralidades e assim atravessa, com toda sua contradição e fragilidade, os mistérios de reconhecer em si mesmo a história humana, as forças da natureza terrestre e cósmica.
ENCERRAMENTO E FEMENAGENS - PRÊMIO DOM QUIXOTE DE TEATRO
Data: 18 de dezembro, às 20h
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