Um mar de poesia em: "Para Mariela"

 



O grupo de teatro Sobrevento, consagrado no teatro de objetos e com vasta experiência com o público infantil, revela uma sensibilidade única em sua peça "Para Mariela". A obra apresenta um trabalho de palco refinado, onde a especialização do grupo em sua linguagem cênica se traduz em uma performance que evoca sentimentos e emoções. A peça é também um tributo à cultura boliviana, fortemente presente no bairro do Belenzinho, onde o grupo está sediado. Esse elemento cultural permeia toda a encenação, desde os figurinos e a música até os objetos cênicos, conectando o imaginário infantil à diversidade e riqueza da Bolívia. Longe de qualquer repetição, o grupo exibe virtuosismo, apuro técnico e uma habilidade singular que se transformam, ao longo da apresentação, em verdadeiros "afetos cênicos".


Trata-se de um teatro infantil que beira o ideal. Ao final da peça, mãe e filha  deixaram a sala cativadas por diferentes razões. Eu, pela excelência técnica que a obra carrega; ela, pelos momentos de emoção, pura poesia estética e, principalmente, pela possibilidade de "atuar", como destacou, ao se ver envolvida na mágica do espetáculo.

A construção da encenação é meticulosa. A iluminação suave desempenha um papel fundamental, não apenas complementando, mas dialogando com os atores e atrizes em cena, quase como se fosse uma personagem a mais. Os figurinos, igualmente elaborados, ajudam a criar uma unidade visual que contribui para a coesão da narrativa.

O elenco, composto por Maurício Santana, Agnaldo Souza, Liana Yuri, Daniel Viana, Luiz André Cherubini e Sandra Vargas, demonstra uma atuação em perfeita sintonia. Todos se posicionam com precisão, surgindo de diferentes lados do palco, o que reforça a imprevisibilidade criada pela direção cênica. Essa diversidade de entradas e movimentações, aliada ao uso criativo de objetos, confere à peça uma originalidade única. Um exemplo encantador é a construção e desconstrução das casinhas de areia, feitas e desfeitas diante de nossos olhos, como cidades imaginárias em constante transformação. Há também objetos que se movem de maneira quase imperceptível, reforçando a magia sutil que permeia o espetáculo.

Os figurinos, cuidadosamente elaborados por João Pimenta, desempenham um papel essencial ao reforçar a receptividade à cultura boliviana. Eles não apenas refletem a diversidade cultural presente na peça, mas também interagem harmoniosamente com outros elementos visuais, como a iluminação, os objetos cênicos e a coreografia. Quando combinados com a dança e a música, os figurinos ajudam a criar uma unidade estética que mergulha o público em um universo multicultural e poético.

A iluminação, assinada por Renato Machado, não se limita a ser um complemento da cena; ela desenha todo o espetáculo, atuando como um elemento vivo e integrado. Suas nuances acompanham e potencializam a narrativa, conferindo textura e profundidade às cenas. A luz participa ativamente do jogo cênico, revelando e ocultando, criando sombras e dando forma ao espaço de maneira quase orgânica.

Sob o olhar infantil, os objetos comuns ganham uma nova vida. Brinquedos do cotidiano, quando banhados pela luz dos refletores, se transformam, assumindo uma majestade inesperada. Já para o olhar adulto, esses mesmos objetos despertam memórias adormecidas, reminiscências da infância. O espetáculo é embalado pela música ao vivo, onde o som funciona como um poema que acompanha e engrandece a cena.

O mar, presente como metáfora, surge como  pano de fundo da peça junto a areia que, ao final, as crianças podem tocar, tornando-se peixes que nadam e dançam com a leveza do encantamento. Foi nesse momento que ela, em sua simplicidade e deslumbramento, "atuou", dançou e se deixou envolver pelo fascínio do que via.

"Para Mariela" é mais do que uma simples saudação às comunidades bolivianas que habitam o Belenzinho. É um gesto de afeto genuíno, um exemplo inspirador para as crianças que ali assistem. Mariela, moradora do bairro para quem o nome da peça faz uma dedicatória, está presente em cada detalhe que nos remete a presença da Bolívia.

Sinopse
"Para Mariela," a nova peça do Grupo Sobrevento, comemora os 38 anos do coletivo com uma reflexão sobre os sonhos de uma vida simples e a complexidade da imigração. Dirigido por Luiz André Cherubini e Sandra Vargas, o espetáculo explora a busca por um mar utópico, símbolo da infância e dos sonhos perdidos. Baseada em histórias de crianças imigrantes bolivianas da comunidade local, a peça utiliza uma linguagem simples e objetos cotidianos para criar uma narrativa poética e envolvente. "Para Mariela" é uma celebração das memórias e afetos que unem adultos e crianças em um encontro artístico profundo e universal.

FICHA TÉCNICA
Criação: Grupo Sobrevento
Direção: Luiz André Cherubini e Sandra Vargas
Dramaturgia: Sandra Vargas
Elenco: Sandra Vargas, Luiz André Cherubini, Maurício Santana, Agnaldo Souza, Liana Yuri e Daniel Viana
Músicos: Goyo (charango) e Lolo (violão e flautas)
Iluminação: Renato Machado
Figurino: João Pimenta
Assistente de Figurinos: Jaqueline Lima e Sofia Duarte
Cenografia, direção musical, letras e adaptação das canções: Luiz André Cherubini
Cenotecnia: Agnaldo Souza
Máscaras e adereços: Agnaldo Souza, Liana Yuri e Mandy
Bonecos: Agnaldo Souza e Luiz André Cherubini
Assistências confecção bonecos e máscaras: Mosaico Cultural e Giulliana Pellegrini
Supervisão Música Boliviana: Juan Cusicanki
Técnico de Iluminação: Marcelo Amaral
Programação visual: Ato gráfico
Fotografia: Lauro Medeiros
Registro Audiovisual e Teaser: Icarus Filmes
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto - Márcia Marques, Daniele Valério e Carina Bordalo

SERVIÇO
Para Mariela
Data: 6 de setembro a 14 de outubro de 2024, de sexta a segunda, às 20h
Local: Espaço Sobrevento - Rua Coronel Albino Bairão, 42 – Belenzinho – a três quadras do Metrô Bresser
Ingressos grátis - reservas no email: info@sobrevento.com.br
Classificação: Livre | Duração: 60 minutos
Acessibilidade: sim


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