Teatro Oficina: uma visão feminista, maternante e decolonial




Mutação de Apoteose se propõe às mudanças e transformações. São travessias entre os encantados e o mundo humano. Para nós, é o teatro do encontro, do coro, da presença de Zé Celso, da materialidade de Lina Bo Bardi. É encantamento e vontade de fazer.

Com os traços mais marcantes e característicos do que há de melhor no Teatro Oficina, eternamente do Zé Celso, Mutação de Apoteose vem como um rebento que insiste em vingar, crescer e explodir. Mostra que o teatro sobrevive às forças mais malignas do capital neoliberal, como a especulação imobiliária e a ausência de patrocínio para as artes. Resiste à morte inesperada de sua potência maior e eclode em manifestação artística clássica do que é assistir a uma peça no Teatro Oficina.

Tenho preferência em assistir às peças no Oficina na arquibancada superior. Para mim, é uma vista privilegiada. Meus olhos alcançam uma visão ampla, ainda que limitada. Sofro na agonia de ver atores e atrizes pendurados na estrutura do teatro, ao mesmo tempo em que me deslumbro com o mar de tecido azul em que Iemanjá flutua. De lá, pode-se ver a estrutura da peça se formando e o quadro da cena pronto, completo dessa bela obra de arte dirigida pela artista Camila Mota.

Historicamente, o Teatro Oficina também representa não só o que é fazer uma boa peça de teatro, mas o que é fazer um bom teatro. Organizar a lojinha com retirada de ingressos, vendas de bibelôs, comidas e bebidas do lado de fora é uma sacada importante para ativar o espaço público (e do público) na rua.

Também nos chama a atenção e enche olhos e coração de alegria ver mães e suas crias em cena, a nova geração do Oficina, como nos são apresentadas. Participam atuando, cantando, dançando e, por vezes, pedindo colo. Nós, mulheres mães, tão acostumadas a não ter espaço acolhedor para nós e nossas crianças, sentimos alívio em estar em um ambiente assim. Me sinto inserida, embora não haja crianças na plateia e, em cena, até onde meu pequeno ponto de vista sobre aquele mundaréu de pessoas encenando alcança, eu tenha observado apenas as mulheres (talvez só as mães? Não posso afirmar) cuidando das crianças que se movimentavam junto ao coro.

O espaço cênico do Oficina e sua história já dizem muito por si só. Para além dele, o que nos atrai são os figurinos, maquiagens, gestos e composições cênicas. A identidade estética se apresenta pouco usual, fora dos padrões do que chamamos de teatro ocidental. As maquiagens não enaltecem belezas padrões, assim como a nudez se apresenta fora deste apelo, sempre tão comercial e cruel. A beleza estética está no todo, na forma decolonial que se apresenta, nos rostos pintados com tintas, no figurino nada clássico, mas facilitador do movimento em coro e das trocas.

No Oficina, tudo vive em harmonia, não só o coro, tão convidativo para nós que assistimos a tudo com deslumbramento. A música, as câmeras que se movimentam, as projeções em diferentes telas e a dramaturgia da encantadora Cafira Zoe nos convidam a repensar uma forma de ser, mas principalmente de fazer teatro!

Que a nova fase do Teatro Oficina, dirigido especialmente por mulheres, alcance ainda mais pessoas, crie gerações de artistas potentes e de espaços fielmente democráticos! Evoé.

 

Sinopse

Terceiro sinal, CaciIda Becker se prepara para encarnar Euclides da Cunha, devorado, estraçalhado, parindo uma Cacilda Cósmica que viaja em uma onírica odisseia pelas Eras geológicas e teatrais. “mutação de apoteose” conta uma história de travessias e metamorfoses. É o teatro em estado de feitiçaria, é uma f(r)icção cósmica que contracena personagens humanas, não humanas, elementos e forças da natureza, seres encantados, oceano cretáceo e inteligência artificial, criando uma bomba de imaginação. São algoritmos antigos de insurreição da terra criando atmosferas de linha direta com o público, em contracenação com um algoritmo colonial. Com direção de Camila Mota e dramaturgia de Cafira Zoé, “mutação de apoteose” é um spin-off vertiginoso criado a partir das dramaturgias de “Os Sertões” e “Odisseia CaciIda”, de José Celso Martinez Correa e Teat(r)o Oficina, com cenas inéditas e outras paragens, celebrando os 65 anos da Cia e a direção de Camila Mota, primeira mulher a dirigir um espetáculo do Oficina, abrindo caminhos para outras direções, como de Marília Piraju e Mayara Baptista, em ritos e shows encenados. Com 100 pessoas na ficha técnica girando a máquina dessa uzyna, “mutação de apoteose” é um espetáculo musical em 2 atos, um acontecimento feiticeiro que opera o terreyro eletrônico na sua máxima potência, desejando acender estados de mutação de apoteose dentro e fora de nós.


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