Ecos de um Copo Vazio

 

Foto: Ligia Jardim


Algumas coisas da vida sentimos no momento em que elas acontecem, ou logo quando terminam, se são boas ou não. Um café, um afeto físico, uma comida, a sensação de sol no nosso corpo... Do contrário, quando lidamos com emoções e sensações, muitas vezes é necessário um tempo para sentir como reverberam dentro de nós. O teatro é assim. À parte das grandes obras que nos arrebatam de imediato, sem deixar dúvidas, boas ou ruins, em geral, precisamos de um tempo. Eu preciso de um tempo.

Precisei do tempo de duas semanas para pensar sobre a peça: "Copo Vazio".

O tema é tão absurdamente atual, que me tomou de assalto, trazendo à tona sensações que quase me desviaram de um olhar mais apurado sobre a peça. Mas agora sim, vamos ao que vimos! Quando o texto é da Ângela Ribeiro, já vamos ao teatro com boas expectativas. E, até agora, sempre foram alcançadas. A direção de Bruno Perillo também acende uma expectativa de boa peça. Ambas expectativas foram alcançadas. Ângela coloca poesia em um cotidiano ordinário, doído. A busca por alguém, a perda desse alguém são ações poetizadas em cena, gostosas de sentir e fáceis de se identificar. A direção resolve o que poderia ser banal - o nosso dia a dia - com escolhas inteligentes que facilitam as mudanças de cena e nos aproximam da história, especialmente com o telão que projeta o que o celular nos mostra: aplicativos de relacionamento, conversas de WhatsApp e fotos no Instagram.

A atuação da dupla Carolina Haddad e Vinicius Neri também nos enche os olhos de beleza e atitude. Enquanto o texto nos apresenta características físicas das personagens que diferem do tipo físico do ator e atriz em cena, nos contentamos alegremente em fazer parte da convenção teatral e sermos cúmplices neste ato. Atuar é quase sempre uma mentira. No entanto, com todo o ar de amor, sexo e fixação, sentimos falta de uma interação menos técnica e mais sentida no envolvimento do elenco. O que a fala e a cena nos mostram se evaporam no olhar, no toque, na ausência do sentir. Mas, talvez, seja melhor assim. A peça já nos apresenta a crueldade da solidão. Por ser tão atual, a peça pode machucar nossas sensações. Por isso, repito: esse é o grande mérito, fazer poesia com nosso cotidiano, com a rotina desgastada de quem busca um amor (ou apenas amar, ou apenas um alguém).


Foto: Ligia Jardim


Saí do teatro com uma sensação estranha, como se o copo da alma estivesse vazio. Não pela ausência de algo, mas pelo transbordar de emoções que a peça trouxe à tona. "Copo Vazio" nos lembra da solidão que permeia nossas vidas, da busca incessante por conexão e da poesia que se esconde nos detalhes do cotidiano. É um lembrete de que, mesmo nas nossas rotinas mais desgastadas, há, ou deveria sempre haver, beleza e profundidade. A peça nos desafia a olhar para dentro e reconhecer nossas próprias vulnerabilidades, nossas próprias buscas por amor e por significado. E assim, mesmo com o copo vazio, saí de lá cheia de reflexões e emoções que continuarão a reverberar por muito tempo.

Sinopse
A partir da obra homônima de Natalia Timerman, a peça Copo Vazio coloca em cena uma atriz e um ator ensaiando e refletindo sobre seus personagens, Mirela e Pedro. O tema que perpassa a obra é a responsabilidade afetiva nos relacionamentos contemporâneos, pois Pedro desaparece da vida da Mirela após três meses de intenso relacionamento, num fenômeno caracterizado nos dias atuais como ‘ghosting’.

Ficha Técnica
Dramaturgia: Angela Ribeiro (livremente inspirada no livro Copo Vazio da autora Natalia Timerman, Ed. Todavia)
Elenco: Carolina Haddad e Vinicius Neri
Direção: Bruno Perillo
Direção de Movimento: Marina Caron
Cenografia: Chris Aizner
Cenotecnia: Casa Malagueta
Desenho de Luz: Gabriele Souza
Operação de Luz: Letícia Rocha
Trilha Sonora: Pedro Semeghini
Operação de Som: Eder Sousa
Direção de Imagem e Videomapping: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)
Operação de Vídeo: Rodrigo Chueri
Figurinista: Anne Cerutti
Assistente de Figurino: Luiza Spolti
Fotos: Bruna Massarelli, Lígia Jardim, Kim Leekyung
Redes Sociais: Madu Arakaki, Livia Joia, Gabriela de Sá
Design gráfico: Angela Ribeiro
Produção: CM Haddad Produções e Corpo Rastreado – Letícia Alves
Assistência de Produção: Madu Arakaki
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto - Márcia Marques, Flávia Fontes e Daniele Valério
Idealização: Carolina Haddad

SERVIÇO
Espetáculo Copo Vazio
Tusp Maria Antonia: R. Maria Antônia, 294 - Vila Buarque, São Paulo - SP.
De 05 a 21 de julho de 2024
Sextas e sábados, às 20h e, aos domingos, às 18h
Sessão com Libras: domingo 14 de julho às 18h
Classificação etária: 16 anos Duração: 80 minutos

s Duração: 80 min

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