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A mostrar mensagens de agosto, 2025

Uterina: coragem e delicadeza em cena

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  Foto: David Bellavance Ricard Uterina, de Flavia Couto, estreia como um mergulho sensorial na experiência de uma maternidade interrompida e nas complexidades do aborto judicial no Brasil. A peça traz à tona um tema raramente explorado no teatro, tornando-se um espaço de coragem e visibilidade, ao expor vivências íntimas que dialogam com questões políticas e sociais urgentes. Nesse sentido, a obra cumpre seu papel mais relevante: abrir debate sobre temas que permanecem silenciados. Visualmente, Uterina impressiona. As projeções e a construção cênica evocam de maneira poética e sensível o ambiente uterino, o fluxo da vida e a efemeridade do tempo. A imagem do útero que se esvai em terra, a ampulheta gestacional em movimento espiral e a interação com elementos naturais, como água, criam uma estética potente, capaz de tocar o público de maneira direta e simbólica. No entanto, a peça se aproxima de uma experimentação muito livre. Movimentos performáticos e gestos dançantes, embora be...

BAQUAQUA: ENTRE ENCONTROS E RESISTÊNCIA

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Foto: Noelia Nájara   Voltar à sede da Cia do Pássaro e Vôo Livre, na Rua Álvaro de Carvalho, sentar no café e comer um delicioso pedaço de bolo de maçã, já anunciam a experiência de proximidade que se estende também para a cena. A reinauguração da sede foi marcada pela temporada de Baquaqua – Documento Dramático Extraordinário , espetáculo que integra a Trilogia do Resgate e se baseia na autobiografia de Mahommah Gardo Baquaqua, africano escravizado no Brasil que reconstruiu sua vida entre Américas e Caribe, registrando em livro sua trajetória antes de desaparecer misteriosamente. Se a obra literária traz uma voz singular contra o apagamento, a dramaturgia de Dione Carlos expande essa memória ao tecido poético e crítico da cena. Sua escrita tensiona as feridas da escravidão sem abrir mão da beleza da linguagem, criando imagens que ultrapassam a história individual de Baquaqua e se inscrevem como metáforas do presente. A direção de Dawton Abranches soube transformar essa poesia em...

O Vestígio da Subversão Feminina: O Grotesco na Cena do Kaus

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  Foto: Cuca Nakasone Nos palcos da tradição canônica, a mulher, enquanto personagem e atriz, costuma ser confinada a um papel ornamental: bela, dócil, destinada ao olhar masculino. As Três Velhas , montagem da Cia Teatro Kaus a partir do texto de Alejandro Jodorowsky, rasga essa moldura. Aqui, a mulher não está para ser vista sob a luz da delicadeza; está para ser olhada em sua inteireza. O visagismo ousado, o figurino que recusa padrões e a fisicalidade das atrizes Amália Pereira, Tânia Granussi e Vera Monteiro compõem uma estética que desloca a expectativa do “ser mulher” no palco, desestabilizando o olhar habituado a enquadrá-las. O espetáculo mergulha no grotesco sem hesitar enquanto as três personagens se desenvolvem em igual medida, sem protagonismos, e a narrativa se sustenta nesse jogo de intensidades. A casa decadente onde vivem torna-se palco de memórias distorcidas, jogos cruéis e lembranças que misturam juventude e decrepitude. Nesse espaço-limite, o riso e o horror ...