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Foto: Divulgação |
Às vezes, tudo o que precisamos é de uma boa desculpa para nos reunir e brincar. Aqui, o teatro foi essa boa desculpa. Em Casa de Vó, do Coletivo Corpo Aberto, a peça se vale exatamente disso: não da imposição de uma narrativa, mas da criação de um espaço-tempo em que memória e imaginação caminham de mãos dadas, de pés descalços, entre folhas, lembranças e perguntas.
O espetáculo começa antes do início formal. A maneira como o público é recebido já aponta para o que virá: uma espécie de visita, onde pessoas adultas e crianças são acolhidas como quem chega a uma casa querida. E não por acaso: a peça parte da história de netas que, diante da morte da avó e da ameaça de uma construtora de demolir a casa da família, decidem resistir e proteger suas lembranças. Para isso, sobem na antiga casa da árvore do quintal e, ali, começam a reviver memórias, completar o livro de folhas que a avó deixou inacabado e imaginar formas de preservar não só a casa, mas tudo o que ela representa.
Mas Casa de Vó não é sobre a destruição de uma casa — é sobre a potência de ocupá-la com sentido. As crianças são chamadas ao palco para ajudar na construção da casa da árvore. Adultas e adultos são convidados a compartilhar como eram as casas de suas avós, que cheiros sentem quando lembram delas, o que é uma casa para si. O jogo teatral se torna ferramenta de afeto, de memória, de crítica social — sem precisar ser pesado, sem cair na pedagogia simplista.
A peça trata, com sutileza, da tensão entre pertencimento e especulação imobiliária. E faz isso sem vilanizar personagens nem inventar monstros: o que ameaça não é um indivíduo, mas uma lógica do capital — a mesma que transforma cidades em produtos, histórias em ruínas, vidas em estatísticas. E, por isso, resistir, nesse contexto, é brincar. É ocupar o espaço com sentido, com presença, com imaginação.
As atuações se mostram abertas à escuta e ao improviso, com corpos atentos à vibração da cena e do público. A música, envolvente e delicada, reforça a atmosfera de encanto e cuidado. O espaço cênico é transformado aos poucos, de forma artesanal e poética, permitindo que a casa seja construída diante dos olhos de quem assiste — e, mais que isso, junto de quem assiste.
Em Casa de Vó, há um gesto político que passa pela escuta e pela coletividade. Um teatro que não se propõe a ensinar nada, mas a lembrar o que esquecemos: que brincar é uma linguagem de resistência; que memória é raiz, mas também semente; que a casa é, antes de tudo, aquilo que nos acolhe e, por isso mesmo, deve ser protegida.
Ficha Técnica:
Direção: Veronica Avellar
Dramaturgia e Canções: André do Amaral
Elenco: Jennifer Soares, Thamara Almeida e Patrícia Bruschini
Musicista/Cantora: Ritamaria
Figurinista: Emilia Reilys
Cenografia: Patrícia Bruschini
Produção: Danielle Rocha e Rocha Produções
Realização: Coletivo Corpo Aberto
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