De uma espectadora mãe, para um ator pai - Sobre "Sem Registro- uma performance paterna"
Oi, Victor, tudo bem?
Meu nome é Poliana Piteri, eu assisti a sua peça ontem. Ela tem um tom tão bom de conversa, que me senti à vontade (e com vontade) em te escrever essa carta. Na verdade fiquei com várias perguntas pra te fazer, mas talvez nem todas elas se encaixem aqui….
Enquanto uma espectadora mãe eu fui te assistir com uma curiosidade enorme. E, confesso, estava pronta para encontrar o erro. Imaginei que um homem em cena usaria de uma pauta tão importante ao movimento feminista de forma rasa. Eu senti um clima tenso durante todo o espetáculo. Será que outras pessoas também pensaram assim?
Talvez por isso, no começo, o ritmo da peça me incomodou um pouco. Ela parecia um pouco lenta e quando você pediu uma pausa, ainda no começo, eu temi que o espetáculo se ralentasse. Mas no decorrer da apresentação, eu entendi que aquilo era mais que uma proposta cênica. Era um respiro necessário para as pessoas que te assistiam. Sabemos que o tema é delicado. E houve uma sensibilidade tão sutil e orgânica em orquestrar o tempo rítmico do espetáculo como se o público lesse as rubricas de pausa do texto e a direção soubesse dar as pausas necessárias para a plateia respirar. Os momentos cômicos também nos aliviam, mesmo quando fazem chorar.
Aliás, era muito interessante observar a plateia! Victor, lá do palco você já percebeu como as mulheres ficam tensas, quase todas choram, seus corpos se mantêm rígidos e as respirações ficam suspensas durante aquela uma hora de peça. Enquanto isso os homens cruzam o braço, sentam meio de lado, esticam o pescoço para trás e levantam uma sobrancelha, com cara de quem não sabe sobre o que você está falando. Foi interessante observar isso. Na verdade, foi muito bom! Porque eu já saí de muita peça de teatro feminista em que os homens do público saiam falando coisas como: “Que peça bonitinha” ou “a peça é legal, mas elas exageraram!” e coisas do tipo. Por isso, é um raro momento quando vem um homem, respaldado pelo olhar de uma mulher na direção - excelente trabalho de Chia Rodriguez - e com base naquelas duas surpresas que entram em cena (você pede para gente não contar, então vou manter nosso segredo!) e consegue a atenção e talvez causar um certo rumor (constrangimento?) entre vocês, homens.
A iluminação da peça, o jogo de sombras, a cadeira, o trabalho de corpo e os objetos cênicos, contribuíram muito para que a gente lesse as hierarquias de poder dentro das relações de paternidade. Os escritos a giz, que viram pó e são facilmente apagados, me trouxeram uma referência às nossas memórias paternas. Quais são? Onde estão essas memórias? Como nas perguntas que você fez para o público presente. (E me fez pensar quanto tempo não ouço um eu te amo do meu pai, porque ele faleceu há cinco anos….Você pensou que também trataria da ausência pela morte?)
E como se ainda precisasse convencer um certo tipo de público, você traz apontamentos, por meio das perguntas, dos números, das estatística e aponta a relevância social que o tema da peça apresenta. Não é apenas para tocar e fazer lembrar nossa história. Não é apenas para fazer um pai refletir (e espero sinceramente que você consiga fazer muito isso), mas é um problema social, uma pauta que deve ser tratada por todas as pessoas.
O clima harmonioso de conversa com a plateia, a vontade de tomar um café com sua mãe na mesa da tok&stok, de aprender dancinhas do tiktok com sua filha e saber mais detalhes, que talvez pra se proteger da sua própria vergonha, você não contou, tudo isso fomenta ao decorrer da peça a vontade de conhecer mais de perto sua família.
Por fim, quero te dizer que me fez bem assistir a uma peça com uma temática tão cara a nós mulheres, apesar de tão difícil e densa sendo encenada e contada por meio das histórias de paternidade de um homem. Porque a impressão é que nós mulheres ficamos dando voltas quando falamos sobre isso e quando conversamos com quem deveria cuidar das crianças junto conosco parece que o que dizemos é impossível de ser atendido, que a nossa palavra não tem alcance de mudar um gesto dessas pessoas. E, muitas vezes, é quando a justiça fala e faz por nós. Não somos ouvidas nem levadas em conta. Por isso, assistir a um homem falando sobre esse assunto, se colocando no seu “lugar de falha”, como você diz em cena, foi muito especial.
Victor, não imagino quão árduo foi processo de se colocar em cena falando da sua vida e das pessoas que o cercam. Mas , imagino que você saiba quão grandioso é isso. Você falou de temas feministas sem passar pano, sem fazer mea culpa, sem cumprir protocolos. Você foi lá e fez. E por isso, parabéns e obrigada. A você e a toda equipe.
Com carinho,
Poliana Piteri
Sem Registro – Uma Performance Paterna
Sinopse
Um jogo cênico não linear mescla autoficção, depoimentos reais e dados estatísticos em um ambiente fabular. O espetáculo aborda as complexidades das relações familiares, explorando o impacto da ausência paterna e a busca por quebrar o ciclo de abandono.
Durante essa trajetória, testemunhamos como um filho, que cresceu com um pai ausente, confronta seu passado e se esforça para se tornar uma figura paterna diferente.
Ficha Técnica
Concepção: Victor Albuquerque e Chia Rodriguez
Direção: Chia Rodriguez
Assistente de direção: Sarah Lessa
Atuação: Victor Albuquerque
Participação Especial: Elenir Ribeiro
Dramaturgia: Rita Bata, Chia Rodriguez e Victor Albuquerque
Cenografia e Direção de Arte: Rafael Fassani
Figurino: Joana Porto
Desenho de Luz: Gabriele Souza
Operação de Luz: Cyntia Monteiro
Trilha Sonora: Dani Nega
Operação de Som: Bruna Moreti
Designer Gráfico: Raquel Alvarenga
Direção de Movimento: Fabricio Licursi
Preparação Corporal e Pesquisa de dispositivos Cênicos: Thiago Amaral
Consultoria de Comédia: Marco Gonçalves
Visagismo: Diego Nardes
Assessoria de Imprensa: Márcia Marques - Canal aberto
Direção de Produção: Victor Albuquerque e Wemerson Nunes
Produção Executiva: Wemerson Nunes - WN Produções
Assistente de Produção: Murilo Palma
Realização: Associação dos Artistas e Amigos da praça e WN Produções
SERVIÇO
Sem Registro – Uma Performance Paterna
De 25 de janeiro a 18 de fevereiro, com sessões de quinta a sábado*, às 20h, e, aos domingos, às 18h e 20h
*No sábado, dia 17/02 haverá sessão também às 18h
Local: Espaço Cênico Ademar Guerra – Centro Cultural São Paulo (CCSP)
Endereço: Rua Vergueiro, 1000 – Liberdade
Ingressos: gratuitos | Retirar na bilheteria com 1 hora de antecedência
Duração: 60 minutos
Classificação: 16 anos
Ai, Poli... Texto lindo! Me emocionou seu olhar sobre a peça. Qnd assisti antes de vc, sabia que gostaria.
ResponderEliminarLidi, querida! Muito obrigada pelo seu olhar sobre minha escrita!
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