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Dentro do ônibus, a cidade respira

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  Foto: Leandro Souzza De dentro do ônibus observamos a vida passar. Observamos a rua, as pessoas, as reações. Somos quase um olho invisível na grande cidade. Amontoadas, oprimidas social e corporalmente. Às vezes, de dentro do ônibus, observamos a nós. Pensamos no preço do café, na vontade de descansar, na luta contra o sono. Temos lembranças, vontade de chorar, de rir sozinha... O transporte acaba sendo mais que uma forma de condução. É um tempo-espaço nos levando de lugar em lugar, ida e volta. Passamos tanto tempo dentro, que esquecemos, às vezes, como poderia ser estar fora. O tempo vai se acumulando em passagens e histórias. A peça TrabalhaDORES , da Zózima Trupe , parte justamente desse território cotidiano — o ônibus — para transformar o que é banal em manifesto. O espetáculo exalta as dores e também as pequenas alegrias da vida de passageiras e passageiros do transporte público, lembrando que esses corpos moveram a cidade mesmo quando o mundo parou por conta da COVID-19. A...

Do ponto inimigo ao ponto de encontro em A (Re)tomada

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       Eu tenho escrito e falado muito sobre fazer crítica a partir das nossas experiências, enquanto pessoa. Essa perspectiva passa pelo pessoal, pelo nosso corpo, pelo que é público, pela política.... E, assistir a (Ré)tomada , da Zózima, me convoca enquanto espectadora mãe. E é exatamente a partir deste lugar que escrevo agora. Estava no ponto de ônibus com minha filha às 19h aguardando ônibus para irmos da Zona Leste da cidade de São Paulo até a Praça Roosevelt. Segundo um app, o ônibus iria demorar, então chamei um carro de aplicativo. Saímos do ponto para pegar o carro. O ponto de ônibus estava cheio. Minha filha disse que, quando passamos, um homem sentado no ponto a olhou "com maldade". Sem querer entender direito o que ela estava dizendo, eu perguntei o que ela queria dizer. Ela apenas repetiu. Com maldade. Com maldade, sabe? Infelizmente, eu sabia. Abracei ela segurando o choro enquanto pensava que era a primeira vez que ela percebia um abuso. Provavelme...

Reparação: memórias, violência e o cotidiano como dramaturgia

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Foto: Mari Chama O cenário de Reparação nos transporta imediatamente para um salão de beleza dos anos 1980, espaço cuidadosamente construído que funciona quase como uma dramaturgia à parte. Para nós, que crescemos nos anos 80 e 90, cada objeto – do telefone às revistas impressas, do café servido em louça tradicional ao Gil Gomes no Aqui e Agora – evoca memórias de infância e adolescência, imergindo o público em uma época marcada por rotinas e pequenos rituais cotidianos. Figurinos e penteados completam a atmosfera, transformando o espaço em um relicário vivo, onde o passado se faz presente de forma sensível e precisa. Dentro desse espaço historicamente situado, acompanhamos a narrativa de uma jovem estudante vítima de abuso sexual por dois colegas de escola, que, após engravidar, é forçada a deixar sua cidade. O caso, infelizmente representativo de uma realidade cotidiana, ganha profundidade pela multiplicidade de vozes que o circundam: professoras e professores, colegas de sala, viz...